Por que tudo isso?
Oito em ponto. A aula começa com Geografia.
Fernando está meio nervoso.
Toda vez que dona Lucinda dá trabalho em
grupo é aquela loucura.
Ele tem a redação, mas não o cartaz. O seu
grupo combinou um encontro no pátio da escola.Ele foi, mas o grupo não estava.
No dia seguinte, Fernando perguntou o que tinha acontecido e os colegas responderam
que ele se enganou no horário. Marcaram a segunda vez na casa do Fernando e a
Vó Bisa até ajudou a preparar sanduíches e refrescos para o lanche. Mas ninguém
apareceu. De novo combinaram um encontro na casa de Lia, terça-feira, às quatro
horas. Quando Fernando chegou o trabalho estava pronto. Disseram que ele
deveria ter chegado às duas.
Ele tentou argumentar e discutir, mas não deu
pé. Chamaram-no de bebezão, porque era o mais novo da classe e ainda
provocaram:
-- Vai chorar? Vai?
Não, ele não chorou. Voltou pra casa triste e
murchinho sem entender muito o porquê de tudo aquilo.
Não contou nem pra Vó Bisa o que estava
acontecendo na escola e foi fazer a redação.
Agora era ver no que dava.
Todos os grupos foram sendo chamados para
apresentar seu cartaz e dona Lucinda ia chegando, corrigindo ou censurando. E
dando a nota.
Agora é a vez do seu grupo e Fernando torce
as mãos.
-- Dona Lucinda, disse Lia, este é o nosso
trabalho. Todos participaram menos Fernando, que chegou tarde em todas as
reuniões.
Foi um soco na boca do estômago. Ele não
podia entender. Por que faziam aquilo? Toda vez era a mesma coisa. Nenhum grupo
o aceitava e sempre davam um jeito de colocá-lo pra escanteio. Quando conseguia
participar de alguma reunião suas ideias não eram aceitas e seus recortes e
desenhos jamais cabiam nos cartazes. Sempre sobravam.
-- Você devia estar mais atento e ser
responsável. Agora fica sem nota e vai trazer amanhã sem falta um cartaz sobre
o assunto. E vai fazer sozinho!
Que raiva! Que raiva! Que raiva!
Na saída, Lia e os outros fingiram que Nando
não existia e só comentavam a nota do cartaz que fez sucesso.
Nando não voltou de ônibus pra casa. Veio
caminhando devagar, distraído, chutando pedrinhas, pensando em tudo, pensando
em nada, decidindo como fazer seu cartaz e, ao mesmo tempo, jurando que não ia
fazer, só de raiva.
Vó Bisa estava cochilando na cadeira de
balanço e não viu Nando chegar.
Ele tirou seu prato do forno e comeu uma
garfada sem vontade. A mãe fazia o jantar e, no dia seguinte, Nando esquentava
as sobras para si. Vó Bisa não almoçava, só comia uma maçã. A mãe dizia que ela
comia como passarinho. Pouco e devagar. Enquanto comia sem sentir o gosto de
nada, Nando chorou. Queria ter amigos e não conseguia. Acho que era por causa
dos óculos fundo de garrafa, ou porque era bebezão mesmo. Não sabia. Tentava
agradar e ser leal com todos, mas tudo o que fazia dava errado. A Marina gorducha
tinha sucesso, a Lia nariguda tinha namorado, o Cabeça, um gozador, e ninguém
se ofendia, o Tavão era estourado e tinha mil amigos, Rodriguinho colava o
tempo todo e ninguém se incomodava. O Pescoço, a Luciana...
Que defeito tão grave era aquele que o
afastava de todos? Só podia ser os óculos mesmo.
Leila Rentroia Iannone.
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